O Estádio Salazar

No Porto? Estádio Salazar? Não conheço. Nunca ouvi falar. Onde era?
Pergunte-se a quem quiser e mesmo os mais velhos nunca ouviram tal nome: o Estádio Salazar.
Mas a verdade é que existiu.E é até local bem conhecido.
Mas as gentes do Porto, na sua sabedoria ancestral, adoram dar nomes diferentes àquilo que as «autoridades» baptizam.
Foi, uma vez mais, o que se passou com o actual Parque de Ramalde. Ou antigo Estádio da FNAT. Ou Estádio do Inatel. Qualquer uma destas designações são conhecidas e todos saberão onde fica e o que é ou foi. Já o «Estádio Salazar? …..Não conheço...».

A sua inauguração, como Estádio Salazar, ocorreu no dia 27 de Abril de 1969, conforme relato retirado de «Notícias de Portugal», publicação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo de 3 de Maio do mesmo ano.

       «Depois de presidir ao almoço de aniversário no Clube de Vela Atlântico, o Chefe de Estado dirigiu-se ao Bairro Popular de Ramalde a fim de presidir à inauguração do Parque Desportivo Salazar, da F.N.A.T.
    Milhares de bandeiras dos vários organismos dependentes da F.N.A.T. davam uma nota alegre e polícroma ao ambiente. De todo o país se deslocaram ao Porto milhares de trabalhadores que se dedicam às práticas desportivas, pertencentes a vários centros de Alegria no Trabalho que, desta forma, se associaram à homenagem prestada a Salazar, no dia do 80º aniversário natalício do grande estadista.
    Eram precisamente 16 horas quando o Almirante Américo Thomaz chegou ao local. Aguardavam-no à entrada daquelas instalações os Drs António Rapazote e Prof. Dr. José João Gonçalves de Proença, Ministros do Interior e das Corporações, Dr. Luis Nogueira de Brito, Subsecretário do Trabalho e Previdência, Dr. Bento Parreira do Amaral, Presidente da Direcção da F.N.A.T.
    O Chefe de Estado, que se fazia acompnahar do Major Paulo Durão, chefe do distrito, após ter sido saudado pelos que ali se haviam concentrado para o aclamar, recebeu os cumprimentos das individualidades presentes e ramos de flores que lhe forma oferecidos por crianças.
    Seguidamente, o Sr. D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, procedeu à benção do parque, e o Sr. Presidente da República descerrou uma lápide comemorativa daquele acto festivo.
(…)
    Mais de sete mil trabalhadores desfilaram e seguiu-se a demonstração de diversas actividades desportivas, encerrando-se o festival com uma alegoria pelas classes de ginástica e largada de balões e pombos.
(…)»

Em 2014, o Parque Desportivo de Ramalde tem 4,5 hectares de espaços verdes e fazem parte das suas instalações desportivas, um campo de futebol de 11 (pelado), 2 campos de ténis, um campo de futebol de 5, de relva sintética. Tem ainda uma pista de atletismo e um antigo ring de óquei em patins adaptado hoje a pista de skates.

O PORTO E O CICLISMO

A primeira corrida de bicicletas disputada em Portugal decorreu entre a Alameda de Matosinhos e o Castelo da Foz, pelo caminho de Carreiros (actual Av. Montevideu e Av. Brasil) no dia 14 de Julho de 1880. Foi organizada pelo Club Velocipedista Portuense, fundado poucos meses antes, a 9 de Março desse mesmo ano, nascido do grande entusiasmo que as bicicletas vinham provocando na cidade. Teve este clube a sua primeira sede em pavilhão anexo ao edifício da Companhia do Caminho de Ferro instalada na Rotunda da Boavista, mais tarde transferindo-se para edifício com os nº35/37 no Campo dos Mártires da Pátria na esquina com a rua da Restauração e onde durante muitos anos funcionou uma loja de bicicletas.
É muito curiosa a narrativa dessa primeira corrida, publicada no jornal O Primeiro de Janeiro no dia 20 de Julho de 1880:
«Efectuaram-se anteontem as primeiras corridas organizadas por este club, sendo a afluência de espectadores muito maior do que se esperava, e não havendo o mais leve incidente que perturbasse a festa.
No Passeio alegre, subida a Esplanada do Castelo, era tal a multidão que tornava difícil o trânsito.
Pela estrada de Carreiros até Matosinhos estendiam-se duas longas filas de povo para ver passar os contendores.
As janelas estavam adornadas com as damas da nossa melhor sociedade e a tarde apresentou-se magnifica.
O primeiro velocipedista partiu de Matosinhos ás 5 horas em ponto e o último às 5 horas e 35 minutos.
O tempo gasto em percorrer aquela distância foi: pelo «Veloz» montado por A. Vieira 13 minutos e 8 segundos, para o «Ligeiro» montado por W. Pulo, 13 m., 24 segundos; pelo «Faísca» montado por C. Tugman 14 m. e 17 segundos; pelo «Expresso» montado por J. Minchin Junior 14 m. e 14 segundos; pelo «Relampago» montado por J. Rego Junior 17 minutos; pelo «Rattazzi» montado por C. Almeida, 19 minutos e 3 segundos.
Depois da tremenda corrida, o jury reuniu-se no salão do Club Gymnastico, obsequiosamente cedido para esse fim, procedendo à distribuição dos prémios aos três primeiros que chegaram.
A distribuição dos prémios, os vencedores foram victoriados entusiasticamente pelas pessoas que enchiam o salão, e abraçados por todos os amigos.
Antes da corrida estiveram os prémios expostos na Chalet do Sr. Carneiro. Durante a diversão tocou no Passeio Alegre a Banda de Caçadores 9.
É digno de aplauso a iniciativa do Club Velocipedista Portuense para com este género de recreios. O êxito das primeiras corridas foi completo, e assim será também, segundo cremos o dos subsequentes.»
Vemos portanto que a marginal do Porto junto ao mar e ligando Matosinhos à Foz do rio é desde há mais de 100 anos utilizada para eventos desportivos e de «recreio». Dada a dimensão dos veículos de duas rodas, não é de espantar que se afirmasse que as mesmas eram «montadas», até pela similitude com os então vulgares cavalos. E daí também que as próprias bicicletas tivessem um nome….. O Chalet do Sr. Carneiro lá continua no Passeio Alegre.
Uma segunda corrida decorreu na Rotunda da Boavista, em Novembro do mesmo ano, repetindo-se nos anos seguintes, sendo que a última prova organizada pelo Clube Velocipedista Portuense ocorreu a 9 de Dezembro de 1883 nos jardins do Palácio de Cristal. Este clube foi não apenas o organizador das primeiras corridas, como foi primeiro clube desportivo dedicado ao ciclismo em Portugal e o criador do Boletim do Clube Velocipedista Portuense (1880) primeiro periódico jornalístico português.
Estando previstas para 1884 umas grandes comemorações henriquinas, em comemoração do 5º centenário do nascimento no Porto do Infante D. Henrique, parece que alguns dos sócios do club pretenderam solicitar junto do Rei o título de «Real» para o club, o que provocou divergências e a saída de alguns sócios que fundaram, em Janeiro de 1883, uma outra agremiação de entusiastas das bicicletas designando-se Velo Club do Porto, com sede no Palácio de Cristal. Veio a ser este club de grande dinamismo e relevância na cidade, ostentando desde 1884 a designação de Real, por mercê do Rei D. Carlos que se tornou o seu presidente honorário e que contava também com o Príncipe D. Afonso como seu sócio.
Também em 1 de Março de 1883 surge uma publicação jornalística de periodicidade quinzenal, O Velocipedista, sob a direcção do farmacêutico Vidal Oudinot, mais tarde professor e inspector do ensino primário. A partir de Outubro de 1894 assumiu a direcção daquela publicação o grande jornalista Alberto Bessa até ao fim da publicação em Agosto de 1895. No 1º e 2º número de O Velocipedista era o mesmo dedicada ao Club Velocipedista do Porto, passando depois a ser designado de Orgão dos Velocipedistas de Portugal (provavelmente devido á existência na cidade de novos clubes), e desde Outubro de 1884: Revista internacional de Sport – literária, noticiosa e Profissional.
Mas o entusiasmo pelas bicicletas no Porto era verdadeiramente um fenómeno de popularidade. A 4 de Julho de 1883 era inaugurado o primeiro velódromo do país, na Quinta de Salgueiros, pela Secção Velocipedista do Clube de Caçadores. Tinha o recinto o perímetro de 380 metros e largura de 80 metros.  Em Novembro desse mesmo ano é fundado um outro clube, o Sport In-Club. Seguiram-se nos anos de 1894 e 1895 o Sport Club do Porto, com sede na Rua dos Mártires da liberdade nº9, O Grupo Velocipédico do Porto, o Clube Velocipedista do Porto, a Sociedade Velocipédica e o Grupo Cyclista do Porto. Cada um destes clubes tinha dezenas de associados e alguns, como Real Velo Club e o Club Velocipedista do Porto várias centenas.
Embora tivesse sido o Clube Velocipedista  do Porto o primeiro a tentar adquirir uns terrenos com 600 m2, pertença de Cristiano Vanzeller que este possuía na rua do Príncipe da Beira, acabou por ser o Real Velo Club que viu tal propósito rapidamente concretizado, pela cedência, por parte do Rei D. Carlos, de um terreno nas traseiras do Palácio Real (actual Museu Nacional Soares dos Reis).
O Velódromo Maria Amélia tinha um perímetro de 333,33 metros (perfazendo portanto a  cada 3 volta 1km) e foi palco de dezenas de corridas até ao final da primeira década do século XX. Tinha uma tribuna para 700 pessoas, 50 camarotes para os sócios, «três corte de law-tennis» ao centro da pista, e uma chalet-buffet. Naquele mesmo local realizou-se a primeira demonstração em Portugal de uma moto, pelo entusiasta e comerciante João Garrido, no dia de 29 de Julho de 1895. O Velódromo Maria Amélia ainda existe, praticamente intacto, com apenas uma pequena parte da pista parcialmente ocupada por um edifício recente de apoio ao museu.
Aquando das Comemorações Henriquinas, duas provas ciclistas foram realizadas no mesmo dia: uma nos jardins do Palácio de Cristal, organizada pelo Real Velo Club e outra na Rotunda da Boavista pelo Clube Velocipedista do Porto, a ambas assistindo toda a Família Real, governo e demais autoridades, bem como milhares de pessoas.
Outros velódromos surgiram em 1895, como seja o da Serra do Pilar, instalado nos terrenos adjacentes ao Quartel, e um outro em terrenos privados junto às Devezas, ambos em Gaia.
Mas os relatos da época davam igualmente conta de muitas outras iniciativas em cada semana, fossem passeios (como por exemplo Viana-Porto), tentativas de fazer um Porto-Lisboa, provas na Estrada da Circunvalação e passeios ciclistas dos mais variados, chegando-se a exigir «medidas segurança para os transeuntes e ordenamento da via pública», tal o entusiasmo e número crescente de ciclistas.
Apenas a introdução dos veículos automóveis no início do século XX e a crescente adesão a novas formas desportivas, como fossem o futebol, a natação (com corridas, por exemplo entre Leixões e a Foz…) e as corridas de atletismo, levaram ao declínio da paixão portuense pela velocipedia.

Nota: embora a pesquisa já estivesse feita, este texto surge motivado pelo excelente trabalho de Ricardo Figueiredo sobre a Bicicleta. E já agora, como mote para o próximo 130º aniversário da primeira corrida velocipédica em Portugal.

Centro Hípico do Porto

«Fundado em 10 de Junho de 1910 na cidade do Porto, o Centro Hípico do Porto teve como primeiro presidente Delfim de Lima, ficando a vice-presidência a cargo de Felisberto de Moura Monteiro. A Direcção que inaugurou a história do clube integrava ainda Fernando de Brito (vogal), Eduardo Fontes Pereira de Melo (vogal), Alberto Martins Macedo Cardoso de Meneses (tesoureiro) e António de Freitas Torres (secretário).
O CHP ficou inicialmente instalado no Bessa (1911/1938) passando depois para a Fonte da Moura (1938/1943) e, mais tarde, para Ramalde (1943/1967).
Em 1967, o Centro Hípico passa para Leça da Palmeira (Matosinhos), numa mudança tornada possível graças ao apoio prestado pelo então presidente da Câmara de Matosinhos, Engenheiro Fernando Pinto de Oliveira, que disponibilizou os actuais terrenos. Em Assembleia Geral Extraordinária, realizada a 30 de Março de 1995, é aprovada a mudança de nome do Centro Hípico do Porto para “Centro Hípico do Porto e Matosinhos”»

in Câmara Municipal de Matosinhos.

Quanto esteve em Ramalde ocupou os terrenos onde veio a ser construído o actual Estádio do Inatel (inaugurado como «Parque Desportivo Salazar»…). Ali Norton de Matos e mais tarde Humberto Delgado foram vivamente recepcionados aquando de comícios das suas campanhas eleitorais à presidência da República.

O Velódromo Maria Amélia

Está certo: o velódromo que ainda existe no Porto situa-se nas traseiras do Museu Nacional Soares dos Reis.

O Velódromo foi construído na então «Quinta do Paço», nas traseiras do Paço Real situado na rua do Triunfo (actual D. Manuel II), propriedade do rei D. Carlos, que, aquando da sua estadia na cidade, por ocasião da «Comemorações Henriquinas» de 1894 disponibilizou esse terreno ao Velo Clube do Porto para ali construir um velódromo.
Tinha entrada lateral, pela rua do Pombal (actual Adolfo Casais Monteiro) e a pista tinha 333,33 metros de perímetro, sendo o segundo velódromo do país. O primeiro foi inaugurado em 1893, na Quinta de Salgueiros, pela Secção Velocipedista do Clube de Caçadores do Porto.
No jornal «O velocipedista», em 1895 escrevia-se:
«Real Velo Clube: Esta agremiação, tenciona inaugurar o seu velodromo, na quinta do Paço real d/esta cidade, que lhe foi concedida para esse fim por S. M. el-Rei, por ocasião das festas do centenário do Infante D. Henrique. O distinto engenheiro snr. Esteves Tomás, que é o segundo secretário do Club, já está levantando a respectiva planta da Quinta para esse efeito
Inaugurado em 1895 ali se realizaram muitas corridas e demonstrações desportivas, incluindo a primeira corrida de motorizada realizada em Portugal.
Na primeira década do século o entusiasmo velocipedista afrouxou, perdendo popularidade para outros desportos, como o nascente futebol.
Após a instauração da República e porque o Paço Real era propriedade privada do rei, esteve encerrado até 1932, quando, por falecimento de D. Manuel II este o legou à Santa Misericórdia do Porto. No entanto, o Estado entendeu em 1939 «nacionalizar» aquele edifício para ali instalar o espólio do Museu Municipal do Porto e do ex-Museu Portuense de Pinturas e Estampas, fundado em 1833.

A primeira mota em Portugal

Velódromo das Devezas (…) 9ª corrida (original), 10:000 metros: record em bicycleta com motor a petróleo pelo sr. Benedicto Ferreirinha. Esta machina, que foi a primeira que se apresentou em publico, deu 50 voltas, percorrendo 10:000 metros em 17 minutos e 1 segundo.»
in O Velocipedista, , nº61, 1 de Setembro de 1895.