É por vezes apelidada de «revolta», mas a Janeirinha foi um movimento de contestação, sem qualquer carácter revolucionário, sendo inexistentes movimentações militares. Como movimento de contestação política, teve no entanto expressiva manifestação na cidade do Porto e em inúmeras outras localidades, especialmente no norte do país.
O contexto em que decorreu foi o seguinte: em Julho de 1867 o então Ministro dos Negócios do Reino, (uma espécie de actual ministro da Administração interna) Martens Ferrão, no Governo liderado por Joaquim António de Aguiar, propôs a criação de um novo Código Administrativo o qual implicava uma alteração radical da divisão administrativa do país, nomeadamente reduzindo o número de Distritos e criando as paróquias civis (antecessoras das juntas de freguesia), distinguindo-as das paróquias eclesiais. Tal reforma sofreu forte contestação um pouco por todo o país. Em Março o governo avançara com outra medida polémica, a criação de um novo imposto sobre o consumo o qual pretendia arrecadar receitas por forma a enfrentar a difícil situação financeira do Estado que tinha uma déficite de 24%. Sucede que tal imposto sobre o consumo abrangia toda a população, independentemente dos seus rendimentos. Iria aumentar os preços dos bens alimentares, do vinho e de tantos outros bens essenciais. E contra tal pretensão as corporações (empresários,agricultores), manifestaram a sua forte oposição.
A vereação da cidade do Porto, os seus dez vereadores unanimemente, assinaram uma reclamação o governo contra a reforma administrativa, a qual foi desvalorizada pelo Governo e seus apoiantes.
No dia 29 de Dezembro ocorreram as eleições para as câmaras municipais, tendo as forças do governo tido uma copiosa derrota. No Porto, a lista apoiada pelo governo apenas conseguiu 10% dos votos. O mesmo sucedeu na maior parte dos demais cidades e concelhos da região. Na mesma ocasião foram recolhidas só no Porto mais de 14 mil assinaturas protestando contra aquelas duas medidas legislativas. O novo imposto passaria a ser cobrado no dia 1 de Janeiro de 1868.
No primeiro dia do ano, convocada de emergência na véspera, fez-se uma reunião na Associação Comercial do Porto, a qual juntou cerca de dez mil pessoas junto à Bolsa. Os associados presentes na assembleia, a qual demorou a conseguir ser iniciada tal o número de presentes, e por unanimidade aprovou uma moção, que é uma bela peça política que vale a pena reproduzir:
«Considerando que o imposto geral de consumo criado pela lei de 10 de Junho e regulado pelo decreto de 7 de Dezembro de 1867, importa um imposto intolerável, não só por ser um imposto mais oneroso para o pobre do que para o rico, e tender a elevar consideravelmente o preço dos géneros alimentícios, mas também porque a cobrança e fiscalização d’elle traz necessariamente embaraços e vexames ao commercio muito mais insuportáveis que o próprio imposto,
Considerando que as justas representações que contra tal imposto forma oportunamente levadas perante os poderes legislativos, foram por ele desatendidas e que actualmente não há outro recurso contra taes vexames senão o da resistência pacífica, que convença os poderes públicos que o paíz repelle similhante imposto, pela negação do seu pagamento:
Resolve:
1º Não fazer manifesto dos produtos que possue;
2º. Não fazer despacho nas barreiras nem na alfandega em quanto não for suspensa ou revogada a lei que tal imposto criou.
3º Fechar os seus estabelecimentos para evitar os varejos, conservando apenas meia porta para vender sem augmento algum de preço os generos que actualmente tem e attender deste modo ás necessidades públicas, principalmente das classes pobres, cuja dispensa é a loja ou a tenda, e que não podem prover-se por grosso.»
Os comerciantes e a enorme multidão dirigiram-se depois até à Praça D. Pedro onde de uma das varandas do edifício da Câmara foi lido aquele comunicado ao povo. E seguiram de seguida até à Praça da Batalha tendo entregue tal resolução ao Governador Civil, o qual garantiu que faria chegar tal mensagem ao Governo, tendo ditado tais palavras ao povo presente, o qual de seguida dispersou pacificamente.
Lojas, cafés e armazéns estiveram fechados durante vários dias. No dia 3, quando surgiram rumores, depois confirmados, da demissão do governo, houve festejos, danças, cantou-se a Maria da Fonte e lançamento de foguetes por toda a cidade até altas horas da noite.
O novo governo, liderado por António José d’Ávila, revogou o novo imposto e a reforma administrativa a 14 de Janeiro. No mesmo dia foram dissolvidas as cortes e marcadas eleições para o dia 22 de Março.
Em Junho de 1868 surgiu um jornal, A Revolta de Janeiro, com a direcção de António Augusto Leal, que era dono de uma tipografia na cidade. Deixaria de ser publicado em Agosto do mesmo ano. O mesmo editor e no mesmo espírito de homenagem aos acontecimentos do início daquele ano, criará o O Primeiro de Janeiro, cujo primeiro número será publicado no dia 1 de Dezembro de 1868 e que veio a ser um dos mais importantes diários da cidade desde finais do século XIX até aos anos 80 do século XX.